O Filósofo existencialista francês Jean-Paul Sartre defendeu que a
experiência relacional se dá pela experiência do olhar. O olhar do outro me
torna real. O outro confirma minha existência, isso instiga e inquieta.
Desencadeia uma crise de aceitação, pois só desejo ver refletido no outro o
melhor de mim mesmo. Porém, o outro enxerga mais do que gostaríamos, desconhece
nossas motivações interiores. É o que assevera.
Na peça teatral
“Entre quatro paredes” (1944), Sartre pondera sobre a questão da imagem e
ilustra suas ideias. Após morrer, três indivíduos vão parar no inferno. Garcin,
era um homem de letrado, Estelle é uma fútil burguesa que ascendeu socialmente
pelo casamento, Inês é homossexual, funcionária dos correios, agressiva, admite
suas culpas. Não foram parar no inferno a toa: cada um responde por um crime.
Estão confinados numa sala, sem espelhos, sem necessidade de se alimentar ou de
dormir, por toda eternidade. São obrigados a se ver através dos olhos dos
outros; olhos esses que não teriam sido os escolhidos para se conviver. Vaidosa
e egoísta é patético o desespero de Estelle por um espelho. Inês arregala os
olhos para que ela possa se enxergar. Ela se vê tão pequenina... Tudo isso os
incomoda bastante, pois não conseguem enganar uns aos outros por muito tempo e,
aos poucos vão se constrangendo cada vez mais.
Inês tenta
conquistar Estelle, que a repudia. Estelle, por sua vez, buscará a paixão de
Garcin, que a ignora. Inês, interessada em Estelle, jogará um contra o outro,
explicitando as faltas deploráveis de ambos; faltas essas que nenhum quer
admitir. Numa convivência insuportável, Estelle, revoltada, tenta matar Inês,
mas ela dá boas gargalhadas: já está morta. Garcin tenta, inutilmente,
convencê-la de que não é um covarde. Não conseguindo, tenta se vingar amando
Estelle diante de Inês.
Sem que possam
sequer expiar suas faltas, descobrem o horror da nudez psíquica que os outros
lhes evidenciam. Está revelado o verdadeiro inferno: a consciência não pode
furtar-se a enfrentar outra consciência que a denuncia, por isso: “o inferno são os outros”. “Os Outros”
são todos aqueles que, voluntária ou involuntariamente, revelam de nós a nós
mesmos. Algumas vezes, mesmo sufocados pela indesejada presença do outro,
tememos magoar, romper, ferir e, a contra-gosto, os suportamos. Uma vez que a
incapacidade de compreender e aceitar as fraquezas humanas torna a convivência
realmente um inferno.
Apesar de ser um
existencialista ateu, Sartre, tinha alguma razão. O mundo seria melhor se não
fossem “os outros”. Como seria maravilhoso se as pessoas não nos atrapalhassem!
Se todas fossem iguais a nós! Ah, aquela esposa que atrapalha o marido quando
deseja momentos individuais de prazer diante de uma partida de futebol! Como
seriam felizes os filhos que não tivessem os pais para lhes cobrar presença e
boas notas na escola. Os pais que nunca compreendem os filhos; seria o paraíso
para eles se não existissem. Se não fosse aquele chefe o ambiente no trabalho
seria o céu. Que maravilha seria se não existissem pastores para nos corrigir e
exortar.
Sabe por que
Sartre tem alguma razão quando disse que o “inferno é os outros”? Porque nós
nos achamos os perfeitos. Somos os bons. As nossas palavras são a expressão da
coerência, sabedoria e conhecimento. Somos o “supra-sumo”. Os outros é que são
errados. No entanto, a vida poderá ser muito melhor se formos honestos conosco
mesmos reconhecendo que não há como esconder aquilo que somos. Mais cedo ou
mais tarde os outros denunciarão nossas fraquezas, limitações e falhas. Na
medida em que acharmos que os outros estão sempre de má vontade conosco, serão
sempre “o inferno”.
Compreenda que
você é um ser livre e pode, então, não lançar mais sua infelicidade ou fracasso
às causas externas: aos pais, ao inconsciente, ao ambiente, à personalidade indomada
e etc. Por outro lado, antes de querer mudar os outros tenha em mente que você
precisa mudar-se primeiro. Muitas vezes não são os outros o problema, mas nós
mesmos. É preciso reconhecer isso.
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